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sexta-feira, 18 de abril de 2014

Rio Grande, um Centro de Referência Esportiva


Professores em atividades de formação


Por Elaine Tavares

Há pouco mais de um ano, um grupo de pessoas ligado ao esporte decidiu incluir a cidade de Rio Grande num circuito de referência na área. Mas, a proposta de esporte que saiu da cabeça não foi a do esporte de rendimento, esse que procura levar o humano ao seu limite de resistência, obrigando-o a vencer dia a dia a si mesmo, num interminável processo de competição que, se pode levar à glória, também pode provocar desgaste e destruição. A proposta esportiva que brotou dentro da sede do histórico Sport Club Rio Grande (o primeiro time de futebol do Brasil) foi a que se baseia no conceito de esporte educacional. Ou seja, um esporte para ser aprendido na escola, um esporte que possa ser praticado por não atletas, por pessoas comuns que apenas querem fazer de seus corpos espaços brincantes.

Foi assim que começou a ser construído o projeto da criação de Centro de Referência Esportiva que acabou sendo incorporado a um outro projeto maior, proposto e financiado pela Petrobras. As coisas acabaram casando, pois a Petrobras estava interessada em investir em projetos sociais na cidade que hoje abriga um dos mais importantes polos navais do país. Assim, o projeto foi feito e desde há pouco mais de um ano, está em andamento. Vinculado a uma proposta maior da Petrobras, o CRE Rio Grande tem vida própria e está consolidado a partir da vocação da cidade, que por sua geografia, parece estar fadada ao esporte, ainda que precise enfrentar seus desafios.

Rio Grande é um dos município mais antigos do sul brasileiro, existindo nos mapas holandeses, bem antes da invasão portuguesa. Originariamente era espaço dos chamados índios carijós, que hoje sabe-se eram Guarani, mas também conformava parte do território minuano, ao norte. Com a chegada dos portugueses e o avançar sistemático para o sul, a ocupação militar do pequeno povoado se deu em 1737, quando Silva Paes fincou as bases do Forte Jesus Maria José na desembocadura do Rio São Pedro, que liga a Lagoa dos Patos ao Oceano Atlântico. A partir daí chegaram as famílias e a vila Rio Grande de São Pedro nasceu. O nome Rio Grande foi inspirado na enorme desembocadura da Lagoa dos Patos e, mais tarde, acabou dando nome ao estado inteiro.

O espaço da vila de Rio Grande era bastante estratégico para os portugueses, uma vez que fazia a ligação entre o importante porto de Laguna e a colônia de Sacramento, localizada no Rio da Prata. Hoje Rio Grande tem 240 quilômetros de praia, que podem ser percorridos de carro até o Uruguai. É a maior extensão de praia do mundo, com mar leve, bastante propício aos esportes náuticos e com larga faixa de areia, também espaço privilegiado para uma série de outras modalidades esportivas. De relevo plano, com 11 metros acima do nível do mar, a cidade não tem subida, constituindo-se o lugar perfeito para o uso da bicicleta ou do skate.

E é nesse espaço que hoje atua o Centro de Referência, buscando dar vazão a essa vocação esportiva e tentando oferecer alternativa de lazer às milhares de crianças que conformam a população infanto-juvenil da cidade. Nos bairros da periferia, próximo ao porto, ou mesmo no centralíssimo BGV (Bairro Getúlio Vargas), os pequenos estão pelas ruas buscando diversão, sem encontrar espaços adequados ou políticas públicas que possam dar consequência a toda essa demanda. Por enquanto, o Centro de Referência está mais vinculado ao trabalho nas escola, com ênfase na formação de professores. Mas, nos planos daqueles que coordenam o projeto, a atuação junto aos professores visa também dar a eles instrumentos e condições de intervir na proposição de políticas para o município. É um trabalho gigante, que está no começo, mas já gera frutos.

A cidade como espaço brincante






Um passeio pela cidade de Rio Grande mostra toda a potencialidade de uma cidade que pode ser também referência no campo do esporte. A faixa de areia que se estende por quilômetros é espaço perfeito para a montagem de equipamentos esportivos que, gratuitamente, podem envolver a população em atividades corporais prazerosas e divertidas, juntando a beleza da praia com a prática da boa saúde. Os molhes que entram mar adentro por mais de quatro quilômetros podem ser arquibancadas para uma série de atividades náuticas, uma vez que o mar não é encapelado e se presta a todo o tipo de esporte. As baias, serenas e piscosas podem se transformar em prazerosas raias de remo e canoagem. As ruas largas e arborizadas são perfeitas para a bicicleta, precisando apenas de investimento na área de ciclovias. Há também uma beira-mar que se estende por todo um bairro, hoje bastante degradada, mas que, com investimento público, pode vir a ser um modelo de espaço esportivo e de lazer para toda a cidade.

Na área central, onde fica o antigo porto dos pesqueiros, o mercado público, a igreja, a praça, os barcos que seguem atracando, tudo remete a uma profunda beleza. A história aparece brilhante, na arquitetura, nos cheiros, na conformação de um espaço. As casas antigas bem próximas ao mar, a vista da água que se tem desde qualquer rua do centro, a venda do peixe que tradicionalmente segue acontecendo todos os dias num pequena pérgola, repleta daquele universo marítimo que fez de Rio Grande a princesinha do sul, tudo se faz tão bonito. È como caminhar por um tempo bem antigo, ao mesmo tempo em que a modernidade se anuncia na profunda divisão de classe, visível em cada passo, nas barracas de badulaques que brotam em meio à praças e passeios. Gente em luta para sobreviver. A grande Praça Tamandaré abriga um parque de beleza única. Lagos, nichos de animais, esculturas e, bem no centro, o mausoléu de Bento Gonçalves, um dos fazendeiros líderes da revolta gaúcha que deu origem à revolução Farroupilha – incorporada pelas gentes - e que tornou o Rio Grande a primeira república livre do mundo colonial português. A grandeza da história passada, misturada a história de hoje, equilibrando-se entre lutas e apatias.

Essas maravilhas encontradas pela área central se misturam, contraditoriamente, com a parte industrial da cidade que fica para o lado do porto novo. Empresas de fertilizantes, de produtos químicos, refinarias, indústria naval, um universo cinza, fumacento, de imensa poluição e de grande pobreza ao redor. A parte responsável pelo terceiro maior PIB do estado é também a que provoca doenças, miséria e exclusão. Agora, com a revitalização do polo naval que prevê a construção de uma imensa plataforma da Petrobras, os empregos aparecem, mas não são para todos, o que significa que uma parte significativa das gentes continuará vivendo pelas beiradas dos grandes empreendimentos numa condição de profunda pobreza. Bairros mais afastados como os que ficam na região da universidade, ou mesmo o tradicional BGV, bem no centro da cidade, carecem de qualquer estrutura de lazer e vida para crianças e jovens, que brincam nas ruas..

É nessa realidade que se move o Centro de Referência Esportiva, com atividades que se desenvolvem nas dependências do Sport Club Rio Grande e no Clube de Regatas. Atualmente o projeto atua na capacitação de professores, visando dar a eles instrumentos de ensino capazes de tornar o esporte na escola um momento de alegria e não apenas de competição. Na perspectiva do esporte educacional, o esporte é trabalho não para tornar a criança um atleta de rendimento, mas alguém que saiba jogar com prazer, de forma cooperativa e solidária, conhecendo as regras dos jogos e atuando na sociedade como sujeito da história. Uma maneira de capacitar para a criticidade aquelas crianças que vivem na carência econômica e de estruturas públicas.

Mas, para além da formação de educadores de nove cidades da região, o Centro ainda realiza uma infinidade de atividades esportivas com mais de 700 crianças vinculadas ao projeto. Festivais, passeios e toda sorte de atividades esportivas que envolvem não apenas os jovens, mas também os pais. É uma forma diferente de pensar o esporte que vai se enraizando. Para os professores que agora encontram na formação oferecida pelo CRE uma forma concreta de reciclar os conhecimentos, de inventar novas brincadeiras e materiais brincantes, o projeto é uma brisa fresca em anos e anos de atuação. A aula de educação física, no âmbito do esporte educacional, deixa de ser um espaço ritual e passa a comandar um poderoso momento de reconhecimento das capacidades dos alunos nas suas mais diferentes habilidades. Ninguém fica excluído por ser baixo, gordo, alto ou desengonçado. Todos encontram seu lugar no jogo e se divertem. O esporte educacional não visa formar atletas, mas pessoas cooperativas. É claro que se o atleta aparecer, também vai encontrar espaço para se expressar e seguir seu caminho. Mas, a escola não é o espaço para treinamento de rendimento. É lugar de apender a ser criança feliz, brincante, solidária e sujeito histórico.

Rio Grande vai caminhando e espalhando essa ideia. No ritmo do mar do Cassino, mansinho, mansinho...

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